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Neoplasias de Glândulas Salivares
Dr. Nilton Tabajara Herter
Dr. Daniel Sperb
– Conceito:
Neoplasias das glândulas salivares são incomuns1, porém sua variabilidade de tipos histológicos e quadros clínicos tornam-nas um capítulo interessante da medicina.
As glândulas salivares são divididas em dois grupos: glândulas salivares maiores e glândulas salivares menores.
Pertencem ao grupo das glândulas salivares maiores os pares de glândulas parótidas, de glândulas submandibulares e de glândulas sublinguais.
As glândulas salivares menores são compostas por 600 à 1000 pequenas glândulas submucosas distribuídas por todo o trato aerodigestivo alto1, principalmente na cavidade oral. Podemos sentir essas glândulas ao mordermos gentilmente o lábio inferior, onde cada um dos pequenos nódulos ali presentes representa uma pequena glândula salivar.
Qualquer uma das glândulas salivares pode ser sede de tumores próprios ou sítio de metástases.
– Epidemiologia:
As neoplasias de glândulas salivares correspondem à 3% de todos os tumores, com uma incidência de 2,0 por 100.000 habitantes nos EUA1, apresentando um leve predomínio para o sexo feminino8.
Curiosamente a distribuição dos tumores e seus tipos histológicos estão ligados ao tamanho da glândula salivar. A parótida, maior glândula salivar, é sede de 80% dos tumores das glândulas salivares, 10 a 20% dos tumores se originam nas glândulas submandibulares e o restante ocorrem nas glândulas sublinguais ou nas glândulas salivares menores. Porém, dentre os tumores originados nas parótidas, 80% são benignos, nas submandibulares 40 à 60% são benignos enquanto nas sublinguais e glândulas salivares menores o índice de benignidade é de apenas 18 à 30%1, 8.
Como regra geral podemos dizer que:
– Etiologia:
Há poucas evidências de agentes etiológicos dos tumores em glândulas salivares. Raros são os pacientes que referem antecedentes de doenças nas glândulas assim como sialoadenites ( inflamação das glândulas salivares ), sialolitíases ( cálculos salivares ) ou traumas. 1
Tratamentos prévios com baixas doses de radioterapia podem induzir o aparecimento tardio de neoplasias nas glândulas salivares. Na maioria dos pacientes que apresentaram essa relação, a radioterapia foi utilizada para tratar condições benignas. 1
Em experimentos com ratos o vírus do polioma causa tumores em glândulas salivares e em mamas, porém não há relação estabelecida nos humanos.
A malignidade na parótida está associada com câncer de pele, mama tireóide e cólon4.
– Quadro clínico
O paciente normalmente se apresenta com nódulo indolor em uma das glândulas salivares. Normalmente nódulo na parótida, ou na glândula submandibular.
Tumores de glândulas salivares menores ou da glândula sublingual, na maioria das vezes, se mostram como um nódulo intraoral ou sublingual, podendo apresentar ulceração central devido a malignidade. Tumores de glândulas salivares menores localizados na faringe, ou tumores do lobo profundo da parótida podem aparecer como uma massa no espaço parafaríngeo causando assimetria da faringe ao exame físico.
Crescimento rápido da lesão, endurecimento à palpação, limites imprecisos, paralisia do nervo facial, invasão de pele ou presença de linfoadenomegalias cervicais sugerem processo neoplásico maligno. Dor na lesão de glândula salivar chama a atenção para processo inflamatório ou neoplasia maligna avançada.
– Diagnóstico clínico
Na história clínica prevalecem os dados de tempo de evolução, dor e fatores associados. No exame físico, a palpação da lesão e de possíveis linfoadenomegalias cervicais é fundamental. Do ponto de vista oncológico a cavidade oral deve ser examinada visualmente e através de palpação usando luvas; o exame usando apenas os tradicionais “abaixadores de língua” não é suficiente. Pode ser necessária a palpação bimanual para determinar a extensão de alguns tumores, onde uma mão palpa a região intraoral e a outra mão palpa a região da face ou a região submandibular.
É comum, em uma boa palpação cervical, achar-se outros nódulos no pescoço, principalmente na tireóide de mulheres. Esses nódulos achados ocasionalmente podem ser incluídos na investigação clínica.
Como as glândulas salivares podem ser sede de linfomas ou metástases de outros órgãos, um exame clínico geral deve ser associado.
– Diagnóstico diferencial
Cistos e rânulas são lesões obstrutivas não neoplásicas das glândulas salivares, tratados com excisão cirúrgica ou marsupialização.
Cálculos salivares também podem mimetizar tumores, porém são facilmente identificáveis à ultrassonografia bem realizada.
Sialoadenites crônicas, principalmente das glândulas submandibulares, geram endurecimento da glândula e aderências inflamatórias periglandulares. Ocasionalmente o diagnóstico diferencial entre uma sialoadenite crônica e uma lesão tumoral só consegue ser estabelecido após a excisão da glândula.
Tuberculose na parótida é rara, mas também pode mimetizar um tumor. Pode estar presente no tecido glandular ou em linfonodos parotídeos. Normalmente requer ressecção com pesquisa do bacilo de Koch para determinar o diagnóstico e futuro tratamento com tuberculostáticos.
– Exames complementares:
Sem dúvida nenhuma, o exame complementar mais útil na avaliação das neoplasias de glândulas salivares é a ultrassonografia. Um ultrassonografista dedicado e experiente pode dizer o tamanho, localização, relação com estruturas nervosas, presença de linfonodos metastáticos e até mesmo pode adiantar o provável tipo histológico de algumas das neoplasias benignas de glândulas salivares.
Tomografia computadorizada ou mais raramente ressonância nuclear magnética devem ser usadas apenas para estudo do espaço parafaríngeo, de neoplasias avançadas com invasão de estruturas vizinhas ou de lesões que não ficaram adequadamente caracterizadas à ultrassonografia.
Rx ou tomografia de tórax são solicitados para os pacientes com neoplasias de alto grau de malignidade no pré operatório e no seguimento anual2, devido a risco de metástases.
A punção aspirativa com agulha fina (PAAF) com coleta de células para estudo histológico pré operatório tornou-se popular nos últimos 30 anos1. Nas mãos de um bom “puncionador” e um bom citologista este exame tem alta sensibilidade e especificidade. A PAAF é extremamente útil nos pacientes com suspeita de lesão maligna, quando se pode então fazer um planejamento cirúrgico previamente e alertar o paciente de suas seqüelas.
O exame anátomo-patológico transoperatório, incluindo cortes com congelação também pode ser útil na determinação de malignidade, fazendo com que se amplie a cirurgia. Este exame pode ser usado também para determinar margens cirúrgicas livres de neoplasia nos tumores maiores. 1
Biópsia incisional deve ser contra-indicada nos tumores de glândulas salivares, sendo aceita apenas em tumores grandes e invasivos para definir a extensão da cirurgia. 1, 2
A sialografia é pouco usada por ser um exame doloroso para o paciente. Sua indicação fica restrita à alguns casos de sialoectasias, cálculos e parotidites crônicas.
Exames clínicos laboratoriais são de pouca utilidade para investigação de neoplasias glândulas salivares. Amilase alta e hemograma infeccioso sugerem processo inflamatório ou obstrutivo na glândula e leucócitos atípicos podem sugerir linfoma.
– Tratamento:
O tratamento das neoplasias de glândulas salivares é eminentemente cirúrgico. Há poucas exceções para esta regra, como o linfoma em que a cirurgia é apenas diagnóstica e metástases de tumores avançados irressecáveis.
Nos tumores de glândulas salivares menores e da sublingual deve ser realizada a ressecção de toda a glândula salivar incluindo margens livres de mucosa. O tamanho da margem livre vai depender do tamanho da lesão, invasão de estruturas adjacentes e estadiamento clínico. É necessário especial cuidado em ressecções de mucosa na cavidade oral no assoalho da boca junto aos ductos da glândula submandibular ( ducto de Wharton) e na mucosa jugal junto ao ducto parotídeo ( ducto de Stensen ). Ligadura destes ductos implicará em sialoadenite obstrutiva.
Os tumores das glândulas submandibulares são tratados com excisão cirúrgica completa da glândula salivar, normalmente incluindo todo o conteúdo do triângulo submandibular, composto ainda por linfonodos periglandulares, gordura e a artéria e veia faciais. Na ressecção desta glândula deve-se tomar o cuidado para localizar e preservar o ramo do nervo facial marginal da mandíbula, o nervo hipoglosso e o nervo lingual.
Para o tratamento cirúrgico dos tumores benignos da glândula parótida há ainda algumas controvérsias1. A parótida é composta de dois lobos, divididos pelo nervo facial e seus ramos. O lobo superficial, localizado externamente ao nervo facial, e o lobo profundo, localizado internamente ao nervo facial podendo atingir o espaço parafaringeo por trás do ramo ascendente da mandíbula. Como o lobo superficial compõe mais de 80% da parótida a maioria dos tumores se apresenta nele. A cirurgia mínima preconizada e amplamente aceita para tratamento dos tumores de lobo superficial é a parotidectomia superficial2. Apenas cirurgiões de cabeça e pescoço extremamente experientes em cirurgias de glândulas salivares estão autorizados à realizar nodulectomias em alguns tumores benignos selecionados da parótida3, pois embora a nodulectomia apresenta um melhor resultado estético pós operatório, ela também aumenta o risco de lesão do nervo facial e de recidiva tumoral nos casos de adenoma pleomórfico.
Os tumores malignos da parótida devem ser tratados com parotidectomia total preservando-se o nervo facial, associando linfadenectomia conforme o tipo histológico. Se houver invasão do nervo facial este deve ser ressecado amplamente com avaliação das margens pelo patologista no período trans-operatório. Pode ser realizado enxerto do nervo facial no mesmo tempo cirúrgico. Nos casos em que não há possibilidade de reconstrução do nervo facial deve ser realizada tarssorrafia no momento da parotidectomia para evitar úlcera de córnea futuramete.
As principais seqüelas e complicações pós operatórias são as paralisias temporárias ou definitivas do nervo facial, alteração da sensibilidade na orelha e região pré auricular devido secção do nervo auricular magno e a síndrome de Frey. A síndrome de Frey consiste numa sudorese na área pré-auricular durante a alimentação devido regeneração anormal das fibras nervosas auriculotemporais das glândulas sudoríparas da pele4.
Parotidectomia total com linfadenectomia cervical e preservação do nervo facial devido carcinoma adenóide cístico em uma criança de 9 anos.
A radioterapia complementar deverá ser indicada em casos de tumores de alto grau de malignidade, casos de margens cirúrgicas insuficientes ou alguns casos de linfomas7. Nos pacientes com doença avançada e histologia de alto grau o tratamento radioterápico complementar tem efeito positivo na sobrevida5. Radioterapia exclusiva pode ser indicada em tratamentos paliativos3
Há poucos protocolos quimioterápicos para tumores de glândulas salivares, sendo reservados para tratamento paliativo de tumores avançados6 ou de alguns tumores metastáticos. Exceção é o tratamento do linfoma, onde a quimioterapia é eficaz7.
Tipos histológicos dos tumores de glândulas salivares:
O tumor mais comum das glândulas salivares é o adenoma pleomórfico ( tumor misto benigno ) perfazendo 50 à 80% dos casos, seguido do tumor de Warthin ( cistoadenoma papilífero linfomatoso ).
Histologicamente o adenoma pleomórfico apresenta uma mistura de elementos mucóides, epiteliais e mesenquimatosos, tendendo a ter múltiplas projeções, que são responsáveis pelos 30% à 50% de recidiva após enucleação simples. Quando a ressecção é completa, com margens livres amplas, caso das parotidectomias superficiais, o índice de cura é de 95% à 99%4. A cura de um adenoma pleomórfico recidivado é extremamente difícil, uma vez que a tendência de recidiva é ser multifocal. Em cerca de 20 anos de evolução pode haver transformação maligna do adenoma pleomórfico para um carcinoma ex-adenoma pleomórfico.
O tumor de Warthin pode ser multifocal em 12% dos casos e bilateral em 10%. Praticamente não existe recidiva após excisão cirúrgica completa.
Lesões linfoepiteliais benignas na parótida são normalmente sólida-cisticas, únicas e seu tratamento é a ressecção cirúrgica completa. Em pacientes com SIDA, lesões linfoepiteliais podem ser múltiplas, sendo necessário tratamento com antiretrovirais. 4
Outros tumores benignos como o adenoma monomórfico, oncocitoma, cistoadenoma papilífero oncocítico, mioepitelioma, sialadenoma papilífero, papiloma invertido de ducto, hemangioma, linfangioma ou lipoma são raros, sendo tratados com excisão cirúrgica.
Dos tumores malignos os mais comuns são o carcinoma mucoepidermóide, carcinoma adenóide cístico, o carcinoma de células acinares e o carcinoma ex-adenoma pleomórfico.
O carcinoma mucoepidermóide é a malignidade mais comum, apresentando três graus histológicos corespondentes à proporção crescente de componentes epidermóides e diferenciação celular diminuída. Sobrevida média de 50% em 10 anos.
O carcinoma ex-adenoma pleomórfico, ou tumor misto maligno, pode ser de grau baixo ou elevado. Exige tratamento agressivo, incluindo linfadenectomia e radioterapia complementar. Sobrevida média de 30% em 10 anos.
O carcinoma de células acinares necessita cirurgia radical e linfadenectomia, uma vez que 30% dos pacientes apresentam metástases ganglionares. Normalmente é de baixo grau, chegando à 70% de sobrevida em 10 anos. Raramente apresenta metástases à distância.
O carcinoma adenóide cístico, chamado antigamente de cilindroma, é o tumor maligno menos comum na parótida, porém é o mais comum nas outras glândulas salivares menores. Apresenta propensão para invadir nervos e desenvolver metástases à distância4.
O adenocarcinoma apresenta infiltração nervosa precoce, metástases ganglionares em 60% dos pacientes e metástases pulmonares em 30%. No seguimento dos pacientes recomenda-se exame de imagens para detecção de metástases pulmonares e cintilografia óssea para avaliação de metástases ósseas.
O carcinoma epidermóide originário das glândulas salivares é raro sendo confundido com metástases de outros órgãos. Possui prognóstico reservado.
Carcinoma anaplásico é raro e de muito mau prognóstico. Exige parotidectomia total, linfadenectomia cervical e sacrifício do nervo facial e seus ramos.
A parótida é sede freqüente de linfomas, sendo necessária também a ressecção cirúrgica da lesão para fins diagnósticos.
Prognóstico:
O prognóstico depende da localização, do tipo histológico, do grau de diferenciação e estádio clínico do tumor. Os tumores malignos de baixo grau de malignidade das glândulas salivares em estádios iniciais são normalmente curáveis por ressecção adequada como único tratamento. O índice preditivo de sobrevida de 10 anos gira em torno dos 74% no estádio I (inicial) e no estádio IV (avançado) em torno dos 10%.
O prognóstico também é influenciado pela localização da lesão: melhor na parótida que na glândula submandibular e menos favorável na glândula sublingual ou nas glândulas salivares menores2.
Bibliografia:
1- Luna MA – Pathology of the Tumors of the Salivary Glands- In Stanley E. Thawley “ Comprehensive Management of Head and Neck Tumors. WB Saunders – 1999.
2- Condutas do INCA Tumores das Glândulas Salivares. Revista Brasileira de Cancerologia, 2002, 48(1): 9-12.
3- Rocher F P , Molla C L, Ramirez MJ F,et al.. Benign tumors of the parotid gland. An Otorrinolaringol Ibero Am. 2004;31(5):413-22.
4- Mackay G J, Carlson GW, Wood RJ , Bostwick III J –Cirurgia Plástica e Maxilofacial – in. Tratado de Cirurgia – Sabiston – Guanabara Coogan – 1999
5- Shah JP Cirurgia de Cabeça e Pescoço – Revinter – 2000
6- Alberts DS, Manning MR, Coulthard SW, et al. Adriamycin/cis-platinum/cyclophosphamide combination chemotherapy for advanced carcinoma of the parotid gland. Cancer. 1981 Feb 15;47(4):645-8.
7- Hirokawa N, Hareyama M,Akiba H, et al. Diagnosis and treatment of malignant lymphoma of the parotid gland Jpn J Clin Oncol. 1998 Apr;28(4):245-9
8- Santos GC, Martins MR, PellacaniLB, et al. Neoplasias de glândulas salivares: estudo de 119 casos J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.39 no.4 Rio de Janeiro 2003
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